O Espaço Cultural Casa da Ribeira captou R$ 3,47 milhões a
partir de contrato firmado com o Governo do Estado para a implementação do
Museu da Rampa, que está sob investigação do Ministério Público do Rio Grande
do Norte (MPRN). Do montante, R$ 2,23 milhões (64,3%) já foram executados na
elaboração do projeto “Complexo Cultural Rampa: Arte. Museu. Paisagem”. Os
valores foram confirmados pela Controladoria-geral do Estado (Control/RN) e
constam em ofício enviado pelo Governo ao MP.
O contrato foi suspenso em 10 de junho pelo Executivo
estadual, que atendeu recomendação do MP. O Governo trabalha em uma auditoria
interna e deve apresentar relatório ao MP até 9 de julho. As investigações no
âmbito da Promotoria de Patrimônio Público seguem abertas. Não há denúncia no
caso.
O controlador-geral do Estado, Carlos Cerveira, diz que a
averiguação do Governo se concentra em mostrar a integridade do contrato.
“Queremos saber primeiro: as contratações estão adequadas? Foram corretas? O
que era para ter sido feito de diferente? Esse é o diagnóstico que precisamos
traçar. Em relação à prestação de contas, isso é um procedimento, que,
inclusive, toma um pouco mais de tempo. No prazo solicitado não é viável, então
esse procedimento vai ser dado continuidade e vamos sim nos debruçar sobre a
prestação de contas”, comenta.
O Ministério Público aguarda o resultado da auditoria do
Estado para dar prosseguimento às investigações. Em relação ao que será feito
com os valores, a promotora Keiviany Silva de Sena disse à TRIBUNA DO NORTE que
“não há que se falar, no momento, em eventual devolução de recursos e nem a sua
destinação”. Mesmo assim, ela adiantou que “qualquer que seja o destino do acordo
de cooperação (conclusão, denúncia, rescisão ou extinção), os eventuais
recursos remanescentes são sempre destinados ao Poder Público”. Sena está
substituindo Afonso de Ligório, titular da 60ª Promotoria de Justiça de Natal,
que está de férias.
O relatório da Control pretende ainda destacar aspectos de
regularidade e legalidade do Termo de Cooperação, o qual credenciou a Casa da
Ribeira para captar recursos de empresas via renúncia fiscal para implementação
do Complexo da Rampa. “Ele [o contrato] passa pelo crivo de aprovação da
integridade, não apenas pelo Estado, mas os entes financiadores, que são os
parceiros privados, têm suas unidades de compliance. Então, digamos,
hipoteticamente, que o Estado errou, todo mundo que financiou também errou porque
as equipes de integridade não detectaram erros. Não foi apenas uma equipe que
olhou e disse: ‘tá ok’”, explica Cerveira.
O projeto inteiro prevê a captação de R$ 7,47 milhões para
execução das duas fases do processo. Portanto, R$ 4 milhões ainda precisariam
ser captados. Dos valores já arrecadados (R$ 3,47 milhões), R$ 1,23 milhão
ainda não foi executado. Todos os recursos são oriundos de renúncia fiscal, por
meio do Programa Câmara Cascudo, onde o Governo do Rio Grande do Norte deixa de
arrecadar parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de
empresas parceiras, que investem o valor correspondente em projetos culturais.
As primeiras conversas entre a Casa da Ribeira e o Governo
estadual aconteceram ainda em 2019, mas os contratos só foram firmados entre
2020 e a metade de 2021. A primeira etapa consistiu na contratação em si do
Espaço Cultural Casa da Ribeira para elaboração da proposta museográfica por R$
126,9 mil, pagos com recursos dos cofres estaduais, via emenda parlamentar. A
partir disso, a Casa da Ribeira foi credenciada no programa de incentivo à
cultura para buscar recursos e desenvolver o plano museológico na segunda
etapa.
A segunda etapa foi dividida em duas fases. Na primeira
foram captados R$ 999 mil e executados 76% desse valor para desenvolvimento do
Núcleo Museológico. Já para a segunda fase foram captados R$ 2,47 milhões e
executados metade desta quantia, na realização dos trabalhos projetados pelo
Núcleo. “É o Núcleo Museológico que dá subsídios para poder fazer as
exposições, por exemplo”, explica Gustavo Wanderley, que dirigia a Casa da
Ribeira no momento da assinatura do primeiro contrato, de R$ 126 mil.
“Como que a Casa da Ribeira estruturou o pensamento? Vamos
fazer o Núcleo Museológico e depois as exposições, que é o que a gente está
fazendo na Fase II”, comenta Gustavo Wanderley, que deixou o comando da Casa da
Ribeira em 2020, mas foi contratado pela própria Casa da Ribeira como curador
para atuar na estruturação das exposições do Museu da Rampa, na figura da
empresa House Cultura, que atua no Rio Grande do Norte, Ceará e São Paulo.
Os detalhes da destinação dos recursos já executados serão
conhecidos com a apresentação da prestação de contas, ao fim da auditoria da
Controladoria-geral do Estado. “A gente teve acesso recentemente à
documentação, então tudo isso está sendo catalogado, feito uma matriz de
planejamento para que a gente possa fazer aplicação das técnicas de auditoria.
Os levantamentos já realizados são do âmbito de catalogação de documentação e
identificação porque nem todo documento é relevante para a tomada de decisão”,
detalha Carlos Cerveira.
Investigação
Um dos pontos cruciais da investigação do Ministério
Público – que aponta suposto direcionamento na contratação da Casa da Ribeira
para implantação do Museu da Rampa – recai sobre o ato que inaugurou todo o
processo. O órgão fiscalizador afirma que há indícios de falsificação de uma
assinatura digital da coordenadora de Articulação e Ordenamento da Secretaria
de Turismo (Setur). “O documento foi formalmente assinado por uma servidora da
Setur, mas ela declarou em depoimento que não assinou o documento (memorando).
Esse fato será apurado em procedimento investigatório próprio”, disse a
promotora Keiviany Silva de Sena.
O controlador-geral Carlos Cerveira diz que precisa apurar
a situação. “Esse documento não foi assinado por papel e caneta, ele foi
[assinado] com senha pessoal e intransferível. No Sistema SEI do Estado, para
acessar e assinar qualquer documento, precisa de uma senha. A gente precisa
identificar o que foi que houve. Ademais, esse documento por si só tornaria
toda a instrução processual nula? Ela tornaria irregular tudo aquilo que foi
feito pela gestão? São perguntas que não se misturam. Quantos documentos um
servidor não assina por dia, principalmente quando se está atuando numa área
técnica. Eventualmente, é possível você não lembrar fidedignamente de um
documento? É”, complementa Cerveira.
O MP evitou comentar aspectos financeiros do inquérito para
“não realizar qualquer juízo de valor” sobre os recursos captados e executados
porque “aguarda a posição final do Estado após finda auditoria”. O
controlador-geral do Estado diz que em caso de arquivamento do inquérito, o
contrato seguirá ativo com a adoção de adequações que venham a ser
recomendadas. No entanto, caso sejam identificadas e confirmadas
irregularidades, o contrato deverá ser encerrado.
“Se o Governo identificar que houve um problema, ele não
vai se omitir e dizer que vai seguir o contrato não. Se for identificado algum
vício que venha gerar dano ao erário, que afronte os princípios legais, o
Governo tem a predisposição de encerrar. A consequência de encerrar um contrato
sem saber se ele está certo ou não é que depois de encerrar não tem retorno.
Então, por que suspender? Porque eu não sei. Se eu encerro, eu já estou
decretando que está tudo errado e que a gente pisou na bola”, pontua.
Com a suspensão do contrato, a gestão do Complexo da Rampa
passou para a Fundação José Augusto, que já administra teatros, bibliotecas,
museus, escolas de arte, corais e outros equipamentos pelo Estado. “O governo
achou por bem passar a gestão do espaço da Rampa para a Fundação José Augusto
enquanto se faz uma auditoria, dependendo do resultado e até da disponibilidade
da Secretaria de Turismo em voltar a administrar, voltará ao controle dela, se
acharem por bem que pode ficar mesmo com a Fundação, que tem também esse
know-how, porque é natural a gente administrar museus”, declara Crispiniano
Neto, presidente da FJA.
Tribuna do Norte