O natalense Miguel Lira, de 15 anos, começou a ganhar peso
gradativamente em 2021. No final do ano seguinte, imerso em uma rotina
sedentária e já diagnosticado com transtorno de ansiedade, descobriu que estava
pré-diabético. A condição veio acompanhada da obesidade. No Rio Grande do
Norte, a taxa de obesidade entre adolescentes é a maior entre os estados do
Nordeste, com 11.19%, correspondente a 11.903 pessoas desse público,
enfrentando a condição. O número supera a média nacional, de 9.87%. A liderança
se mantém, ainda, nos casos observados entre crianças de 5 a 10 anos, com
percentual de 11.25%.
De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem da
TRIBUNA DO NORTE, o consumo excessivo de alimentos industrializados, o
sedentarismo e políticas de saúde pouco efetivas estão entre os principais
fatores para o cenário. Os dados são do Sistema de Vigilância Alimentar
(SISVAN), do Ministério da Saúde, e correspondem ao ano de 2023. De acordo com
o levantamento, as taxas de obesidade grave no público infantojuvenil também
foram lideradas pelo Rio Grande do Norte.
A obesidade é uma condição multifatorial caracterizada pelo
excesso de gordura corporal que aumenta os riscos de problemas de saúde. Taísa
Macedo, médica endocrinologista pediátrica, explica que as principais causas
dessa condição são ambientais, a exemplo de prejuízos no sono, sedentarismo e
alimentação inadequada. Os fatores endócrinos/hormonais, por sua vez,
correspondem a menos de 5% das causas da obesidade. “Quando a gente vê uma
criança com obesidade ambiental exógena, é uma criança com excesso de peso e
com alta estatura. Enquanto que a gente, quando observa uma causa endócrina, a
criança tem baixa estatura”, esclarece.
No caso do jovem Miguel Lira, o aumento de peso foi
desencadeado por fatores psicológicos e sedentarismo. A mãe do jovem, Fernanda
Lira, conta que ainda no início de 2021 o filho começou a engordar aos poucos,
mas somente no final daquele ano que recebeu o diagnóstico de ansiedade. Nesse
período, conhecido como o pós-pandemia, o adolescente também não tinha hábitos
saudáveis. “Em dezembro de 2022, tinha acabado de completar 14 anos e estava
com 59kg, pré-diabético”, compartilha.
A nutricionista Ana Paula Chiapetti reforça que não há como
excluir os fatores genéticos dos casos de obesidade infantojuvenil, mas uma
dieta rica em alimentos industrializados pode levar ao desenvolvimento dessa
condição. É o caso de comidas com glutamato monossódico, responsável por gerar
uma saturação do paladar, tornando os alimentos mais saudáveis e naturais menos
atrativos à criança. Na maioria dos casos, são eles os escolhidos para os
lanches escolares. “Então, você imagina a criança que leva salgadinho e
biscoito recheado todos os dias. São cinco dias na semana e 20 dias no mês”,
alerta.
Outro problema apontado pela nutricionista é que, apesar
dos industrializados apresentarem calorias elevadas, isso não se reflete em uma
composição adequada de nutrientes. Aliado a isso, devido aos hábitos cada vez
mais associados ao lazer na frente das telas, até mesmo a vitamina D tende a
ser deficiente em crianças e adolescentes com obesidade e sobrepeso. Isso
porque as brincadeiras na rua foram deixadas de lado por aparelhos eletrônicos
como videogames.
Papel da família no tratamento
Seja nos casos de obesidade, ou nos de sobrepeso, o apoio
da família é fundamental para que as crianças e adolescentes consigam recuperar
suas qualidades de vida. Ana Paula Chiapetti explica que, quando um paciente
chega ao seu consultório acompanhado do responsável, a conscientização sobre a
necessidade de mudar os hábitos familiares é um ponto primordial do diálogo.
“Eu acredito muito no parental, no poder da família. Uma família tem isso em
mãos para conseguir ajustar o volume desses alimentos, realmente tratar exceção
como exceção e não tratar exceção como rotina”, complementa.
O suporte a que a especialista se refere foi essencial para
Miguel conseguir construir novos hábitos. Fernanda Lira conta que, apesar da
mudança ter sido desafiadora, dialogou com ele sobre a importância dela para
sua saúde. Aliado a isso, restringiu as ‘baganas’ para os fins de semana e
ocasiões especiais. “Se a gente não tem [alimentos não saudáveis] em casa, ele
não vai comer”, ressalta.
Tocando na pauta da alimentação, Ana Paula Chiapetti
desmistifica a crença de que substituir os alimentos mais calóricos por versões
‘light’, ‘diet’, ou ‘fitness’, pode reverter a obesidade. Isso porque a dieta
da criança não deve ser mudada de forma abrupta, mas a partir de substituições
conscientes e gradativas que devem estar alinhadas ao contexto familiar.
“Exigir que a criança coma uma salada à noite enquanto o adulto pede um fast
food, [por exemplo], é impossível a gente achar que isso vai trazer algum
resultado”, enfatiza.
Embora exista medicação para auxiliar no combate da
obesidade, por meio da inibição do apetite e estímulo à saciedade, Taísa Macedo
reitera uma perspectiva semelhante a da nutricionista e defende que a mudança
no estilo de vida é a peça chave no tratamento. “A gente sempre tem que dizer
que a medicação sozinha, sem mudança de estilo de vida, não vai ter efeito.
Muita gente fala do ‘efeito sanfona’. Claro, se você não mudar o jeito que você
está vivendo, vai recuperar tudo. A medicação é uma coadjuvante”, defende.
De acordo com Fernanda Lira, desde dezembro de 2022, Miguel
saiu da zona do sedentarismo e vem trabalhando para manter a qualidade de vida.
A contratação de um profissional de educação física, com quem o filho conseguiu
construir um vínculo positivo, foi determinante para que pudesse treinar três
vezes na semana. “Com 6 meses de adaptações, as mudanças já eram visíveis, o
que fez a autoestima dele [Miguel] melhorar muito e ter estímulo para
continuar”, compartilha.
Atualmente, Miguel pesa 60 kg e não relaxa quando o assunto
é saúde. A mãe do jovem conta que a vigilância precisa ser mantida, inclusive,
no contexto familiar. “A nossa família já tem o hábito de fazer exercícios e
manter uma alimentação mais controlada durante a semana. Acredito que é muito
importante dar o exemplo e não apenas exigir”, afirma.
O tratamento da obesidade acontece por meio de consultas
trimestrais e exige um atendimento multidisciplinar envolvendo as áreas de
nutrição, endocrinologia, psicologia e educação física. O conjunto é
fundamental para evitar que o adolescente/criança desenvolva doenças
metabólicas, dislipidemia (aumento do colesterol) e diabetes tipo 2 no futuro.
Nos casos de crianças com pai/mãe obeso(a), especialmente, Taísa Macedo aponta
que há 50% de chance da criança apresentar essa condição devido a fatores
genéticos. Quando os dois responsáveis são obesos, o percentual sobe para 80%.
Especialistas defendem avanço nas políticas
Enquanto lidera as taxas de obesidade infatojuvenil no
Nordeste, o Rio Grande do Norte parece caminhar de forma pouco ativa em prol do
combate e prevenção dessa condição. É o que avalia Taísa Macedo, para quem é
necessário maior diálogo desse trabalho junto à saúde e ao contexto escolar.
“Eu não consigo ver que está havendo uma política para
combater a obesidade infantil. Acho que elas são muito isoladas. Se a gente for
falar em merenda escolar, por exemplo, ela é feita para criança que não tem
nada para comer em casa. Então ela almoça na hora da merenda”, afirma. Ainda,
na visão dela, a ampliação da conscientização perpassa a melhoria da
infraestrutura das escolas para que haja mais espaços para atividades
esportivas.
Já Ana Paula Chiapetti defende que as campanhas educativas
precisam surgir com o propósito de criar uma conexão e dialogar com as crianças
e adolescentes. Na avaliação dela, não basta apenas divulgar dados, utilizar
palavras técnicas e promover a conscientização por meio de frases como ‘consuma
menos açúcar’. O motivo é que esse tipo de linguagem tende a não gerar
identificação no público-alvo e, aliada ao uso de ‘palavras difíceis’, não
passa o real significado das iniciativas.
“Eu acredito que tem que trazer isso numa mensagem, numa
comunicação, que eles se sintam mais representados, que eles olhem e que eles
falem: ‘nossa, isso é verdade, a gente não consegue fazer isso, a gente
consegue melhorar isso’. Acho que mudar essa linguagem poderia ser
interessante”, defende a nutricionista.
Política estadual
A Sesap reconheceu que as taxas são elevadas e informou que
desenvolve estratégias de enfrentamento . A pasta reforçou, contudo, que cabe
aos municípios executar as ações, enquanto ao Estado compete o monitoramento.
“No que tange à responsabilidade da Sesap,existe um trabalho bem consolidado na
articulação da Linha de Cuidado do Paciente com Sobrepeso e Obesidade (LCSO),
cujo objetivo é organizar o fluxo de atendimento no SUS dos pacientes
diagnosticados com excesso de peso, passando por todos os ciclos de vida. Dessa
forma, têm sido promovidas reuniões técnicas, bem como capacitações mensais, a
fim de qualificar a atenção nutricional de todos os pacientes atendidos na
atenção primária”, disse a Sesap. Para o público adolescente e infantil,
especialmente, a pasta citou o Programa Saúde na Escola (PSE), uma iniciativa
intersetorial.
Fonte: Tribuna do Norte
Foto: Ilustração