Representantes de 88 terreiros de candomblé do Brasil enviaram, nesta sexta-feira (11/10), uma carta ao presidente Lula criticando a atuação da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e da pasta em relação às políticas para o segmento.
No documento, ao qual a coluna teve acesso, os terreiros apontam “fragilidades” de Anielle em relação à comunidade do candomblé. A carta, segundo apurou a coluna, foi enviada pelos terreiros ao presidente da República por meio de assessores.
“Neste sentido, investidos desta história, os terreiros que subscrevem manifestam-se com preocupação sobre a política do Ministério da Igualdade Racial para esse segmento, que encontrou o descaso total da ministra da pasta até agora, desarticulando a possibilidade da retomada do que iniciamos nos governos Lula e Dilma anteriores”, afirmam os terreiros.
Os representantes dizem haver “má vontade na retomada de políticas relevantes para os povos de terreiro”. Afirmam também que “falta de diálogo com os terreiros de candomblé patrimonializados como Bens Materiais e Bens Imateriais do Brasil pelo Iphan”.
De acordo com a carta, a ministra “nunca visitou esses espaços sagrados e desmarcou encontros após eventos prontos, em pelo menos duas ocasiões”. O documento também critica o “baixo investimento orçamentário para povos de terreiro”.
Os representantes pedem ainda uma mesa de negociação diretamente com o presidente Lula para conversar sobre os caminhos das políticas para terreiros.
Demissão de secretário
Na carta, também há críticas à demissão do secretário Yuri Silva por Anielle. Como a coluna noticiou em primeira mão nesta semana, a ministra demitiu o secretário de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial da pasta na segunda-feira (7/10) por videoconferência.
“Recebemos com muita preocupação a demissão por telefone, e durante um resguardo provocado por luto familiar, do Secretário Nacional Yuri Silva, que compõe uma organização histórica de ativismo em defesa das religiões de matriz africana, a saber o CEN, e que é um intelectual na formulação dessas pautas”, diz o documento.
Em nota, o ministro informou que demitiu o ex-secretário por causa de uma “estruturação da segunda metade da gestão”. A coluna apurou, no entanto, que Anielle ficou irritada ao saber de uma possível ligação entre Yuri e o advogado Walfrido Warde.
Yuri já trabalhou com Walfrido como coordenador de Direitos Humanos do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree). O advogado é próximo do ex-ministro Silvio Almeida, a quem Anielle acusa de tê-la importunado sexualmente.
Como noticiou a coluna, logo após ser demitido por Lula em razão das acusações da ministra, Silvio Almeida buscou aconselhamento espiritual no terreiro de candomblé que frequenta. Segundo relatos, o ex-ministro passou um fim de semana inteirno no local.
Outro lado
A coluna procurou a assessoria de imprensa do Ministério da Igualdade Racial para comentar a carta enviada pelos terreiros. Até o momento, a pasta não respondeu. O espaço segue aberto para manifestações.
Veja a íntegra da carta:
“Carta de terreiros e entidades negras e de matriz africana ao Presidente Lula
Os terreiros de candomblé, organizações da luta pelos direitos de religiões de matriz africana e outras organizações sociais de ativismo político que assinam esta carta, direcionada ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sempre estiveram na defesa da democracia e dos governos democráticos e populares petistas mesmo em momentos difíceis de ameaça aos avanços conquistados nas políticas públicas nacionais.
Tratam-se de representações de casas tradicionais de candomblé do Brasil, que reúnem inclusive patrimônios nacionais tombados e registrados e que representaram aliados fiéis ao Presidente Lula em todos os seus governos e também durante o processo da sua prisão injusta.
Neste sentido, investidos desta história, os terreiros e as organizações que subscrevem essa carta manifestam-se com preocupação sobre a política do Ministério da Igualdade Racial para esse segmento, que encontrou o descaso total da Ministra da pasta até agora, desarticulando a possibilidade da retomada do que iniciamos nos governos Lula e Dilma anteriores.
Nossa crítica ao tratamento do MIR aos terreiros do candomblé amplia-se diante do envolvimento da ministra em polêmicas que não ajudam o Governo Lula, e mais recentemente com a demissão de quadros ligados a construções históricas das políticas para os povos de terreiro.
Recebemos com muita preocupação a demissão por telefone, e durante um resguardo provocado por luto familiar, do Secretário Nacional Yuri Silva, que compõe uma organização histórica de ativismo em defesa das religiões de matriz africana, a saber o CEN, e que é um intelectual na formulação dessas pautas.
Silva, grande quadro do movimento negro nacional, é um jovem negro de candomblé, amplamente conhecido pela sua atuação nas pautas da liberdade religiosa e da juventude negra, tendo sido responsável pela elaboração política e técnica do Plano Juventude Negra Viva e de programas de intercâmbio do governo com países africanos, latino- mericanos e caribenhos.
Não trata-se de personalizar a insatisfação política, mas compreender que tal movimento de desligamento demonstra mais uma vez o descompromisso da Ministra Anielle Franco com as pautas deste segmento e com o conjunto das políticas de igualdade racial do Brasil.
Neste sentido, solicitamos uma mesa de negociação com o Presidente Lula para conversar sobre os caminhos das políticas para terreiros. Pontuamos questões a serem tratadas que apontam, além dos fatos já citados, a fragilidade da gestão da Ministra Anielle Franco:
● Má vontade na retomada de políticas relevantes para os povos de terreiro, como a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais e outras ações pontuais, como a distribuição de alimentos para terreiros de candomblé do Brasil via MIR e CONAB;
● Demora na publicação da Política Nacional de Combate ao Racismo Religioso, elaborado neste governo pela até técnica do Ministério, porém obstaculizada pelo Gabinete da Ministra e por sua Secretária Executiva;
● Falta de diálogo com os terreiros de candomblé patrimonializados como Bens Materiais e Bens Imateriais do Brasil pelo IPHAN, de forma a prestar apoio a esses patrimônios negros históricos que dialogam com a população negra local. A saber, a Ministra nunca visitou esses espaços sagrados e desmarcou encontros após eventos prontos, em pelo menos duas ocasiões;
● Baixo investimento orçamentário para povos de terreiro, o que demonstra a falta de prioridade do Ministério para o segmento.
Além disso, também elencamos pontos que dizem respeito ao conjunto das políticas de igualdade racial, e não só ao nosso segmento, considerando que a população negra configura-se como um povo amplo e repleto de demandas históricas represadas. Por isso, também elencamos como problemas da gestão Anielle Franco:
● Falta de participação social na elaboração das políticas públicas, por meio da ASPADI/MIR (área responsável pelo assunto), e ausência de diálogo da Ministra com os movimentos sociais;
● Adiamentos sucessivos da V Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial e desrespeitos constantes ao Conselho Nacional de Igualdade Racial;
● Descontinuidade de projetos de formação de conselheiros em 200 municípios brasileiros, os quais estavam sendo gestados pelo Secretário demitido;
● Falta de renovação de Decretos do Plano Nacional de Igualdade Racial (PLANAPIR) e da Política Nacional de Igualdade Racial (PNPIR) – que datam, respectivamente, de 2008 e 2003 e necessitam de atualização;
● Boicote a tentativas de publicação de novas regras elaboradas para o Sistema Nacional de Igualdade Racial – SINAPIR, a fim de ampliar a adesão de municípios e estados às políticas nacionais de igualdade racial e a penetração do governo federal nos entes subnacionais.
Dito isto, reafirmamos nossa intenção de diálogo com o Presidente Lula e seus assessores do Palácio do Planalto, no sentido de uma intervenção no Ministério da Igualdade Racial e, se não obstante for, a substituição da equipe da Ministra ou, em última instância, dela própria.
Assinam:
1. Ilé Axé Oxumarê (Salvador/BA)
2. Terreiro da Casa Branca
3. Terreiro do Gantois
4. Ilê Agboula
5. Tuntum Olukotun
6. Coletivo de Entidades Negras – CEN (BA)
7. Sociedade Beneficente Sócio Educativa Recreativa e Religiosa Oba Lokê
8. Rede Orooni de Jovens de Terreiro (Lauro de Freitas/BA)
9. CENARAB – Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira
10. Ilê Iyá Omi Lodô Asè Ogodò
11. Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro – FAFERJ
12. Brigadas Populares
13. Rede Amazônia Negra – RAN
14. UNISOL BAHIA
15. Federação Única dos Petroleiros – FUP
16. Ilê Axe Alá Obatalandê
17. Unzó N’zazi Malembi de Unzambi
18. Ilê Axé Afonjá Onan Odara 19. Ilê Asê Odé Faroerã
20. Ilê Ase Babá Omi Funfun 21. Ilê Axé Omin Alà Dèmín 22. Ilê Axé Oyo Omim Sabá 23. Unzo Tumba Muta
24. Unzo Mona D’ Amean
25. Ilê Axé Omin’já
26. Unzo tumbá Creiuzilê Keuamazi
27. Ilé Axé Ajalé Opaxorô
28. Guerebetã Gume Huntó Atim Asidãn
29. Ile Kenda Omi Ala (Mag/RJ)
30. Manzo Kalla Muisu – DF
31. Instituto Cultural e Educacional Lua Branca – INCLUA – DF
32. AFUANA – Vivências LGBT de Terreiro – DF
33. Terreiro de Caridade Boiadeiro Laço de Ouro – BA
34. Manzo Kaiasambila Mazambi – MG
35. Bakiso Ngunzo ria Nzaze – Novo Gama/GO
36. Ile Asé Odé Erinlé – Goiania/GO
37. Ile Alaketu Ase Lameke Opo Araka Nire – MG
38. Conselho Estadual da Juventude do Maranhão
39. Tumba Inzo A’na Nzambi Junsara, Tata Ngunzetala, Águas Lindas de Goiás/ DF
40. Fórum Estadual de Religiões de Matriz Africana do Maranhão – FERMA/MA
41. Rede Afrobrasileira Sociocultural – Rede Afro
42. Ilê Axé Idá Wurá – DF
43. Conselho Municipal de Juventude (Regeneração/PI)
44. Ilé Ofa Omin – Araruama / RJ
45. Ile Ogu Oni Lonon Kpéntèn – São Luís – Maranhão
46. Fagbasa Atakuntin Tulukpon Tchê – Casa de Fá (São Luis/MA)
47. Kwe Alá Funmi – MG
48. Kwe Odé Farangi – MG
49. Kwe Odé Tokan – MG
50. Kwe Bálògum Alaki Ganjú – MG
51. Ilê Ty Odé Casin – MG
52. Ilê T” Oxum Carê – MG
53. Ilê Asé Efon Nlá Ogiyan – MG
54. Ilê Asé Onira – MG
55. Kwê Ya Boringi – MG
56. ILÉ EIYELÉ OGÈ ASÉ OGODÒ ASÉ OSÀGÍYAN – DF.
57. Ilê Axé Omo Akinjole
58. Ilê Baba Niko
59. INZO N’GUNZO ỌYÁ MATAMBA
60. Ilê Ogun Omin Oshogbô Asé Ogôdo
61. Ilê Baba Epejá Ase Ogodó
62. Ilê Omo Lade
63. Terreiro do Bogum
64. Axé Gbato
65. Abassã Oyá Messan Orun
66. Ilê Axé Gezumbum
67. Ilê Omonilê Oderan
68. Ilê Axé Ijena Olofá Omi
69. Ilê Omin Guian
70. Ilê Axé Ominidê
71. Ilê Oni Bô Ara Ikó – DF
72. Ilê Ijobá
73. Ilê Dan Chúo
74. Ilê Axé Osun
75. Ilê Axé Omi Dandarewa
76. Casa do Amor e Caridade Pai Verácio e Aninha – DF
77. Ile Ashe Ota Yzôo – São Luís, Maranhão
78. Ile Ashe Oluwaê Yzôo – São Luís, Maranhão
79. Kewe Badé Zô – São Luís, Maranhão
80. Ile Ashe Ogum Sogbo – PA
81. Ilê Aé Ewé Assacoje
82. Ile Axé Baba Ikulade
83. Ile Ase Opo Onire
84. Mãe Camila de Osum
85. ILÉ ÀṢẸ OMINAIYÉ
86. Manzo dia Luango – MG
87. Associação do Quilombo Florentino José dos Santos – MG
88. Bakissi Mona Cafunge
Fonte: Metrópoles
Foto: Reprodução