As decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli que anularam atos judiciais ou arquivaram ações sobre alvos da Operação Lava Jato tratam de processos cujos pedidos iniciais de ressarcimento e danos ultrapassam R$ 17 bilhões.
Esses valores foram solicitados nas denúncias apresentadas pelo Ministério Público, mas em eventuais sentenças condenatórias nem sempre eram aplicados pelos magistrados.
Com o tempo, parte dos valores acabou incorporada em acordos de delação e de leniência firmados por pessoas físicas e jurídicas que confessaram crimes e irregularidades. As decisões de Toffoli não anularam esses acordos.
Outra parte dos processos não chegou a ser sentenciada ou já tinha sido derrubada parcialmente devido a outras decisões da Justiça.
Até outubro, Toffoli havia tornado nulas ou trancado ações relacionadas a quase 70 pessoas. Em outros quase 70 casos, determinou que as provas da delação da Odebrecht usadas nos processos eram imprestáveis —o que abre caminho para a nulidade dos processos em outras instâncias.
O ministro foi procurado por meio da assessoria do STF, que informou em nota que as decisões de Toffoli “são extensões de decisão colegiada da Segunda Turma, tomada em fevereiro de 2022 quando ele ainda não a integrava, sob relatoria do então ministro Ricardo Lewandowski [hoje ministro da Justiça], a quem ele sucedeu na relatoria”.
A nota ressalta que mais de cem pedidos de extensão, a maioria dos apresentados, foram negados. “Destaca-se ainda que, sobre as empresas, o ministro não anulou acordos de leniência, estando eles suspensos e neste momento em processo de negociação entre governo e empresas, nos autos da ADPF 1051, sob relatoria do ministro André Mendonça”, afirmou.
“Em relação às demais pessoas físicas, foram anuladas provas, mantidos os termos dos acordos de colaboração, e os juízes responsáveis vão analisar o prosseguimento dos processos.”
Advogados e procuradores da República consultados pela reportagem veem a possibilidade de essas decisões de Toffoli abrirem espaço para que a validade de acordos de delação sejam questionados na Justiça.
“A Constituição não admite o uso de provas ilícitas, e uma delação obtida por meio de uma investigação ilegal não pode continuar válida”, diz Rodrigo Dall’Acqua, ex-diretor jurídico do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
Leonardo Massud, professor de direito penal na PUC-SP, diz que as decisões “não abrem espaço para anulação indistinta de todas as delações, mas só aquelas nos processos em que também se verificar quebra da imparcialidade do juízo”.
Os cálculos do Ministério Público para solicitar os valores eram feitos com base nos prejuízos causados ao Estado pelas supostas irregularidades. Normalmente, os promotores e procuradores cobram um múltiplo dessas quantias aos denunciados.
Por exemplo: uma denúncia apresentada em 2020 pela força-tarefa contra Lula (PT), Paulo Okamotto (ex-presidente do Instituto Lula) e Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda) tratava de suspeitas de lavagem de R$ 4 milhões da Odebrecht em propinas para o instituto. A força-tarefa cobrou, porém, que fossem pagos R$ 12 milhões pelos denunciados.
Desse total, R$ 4 milhões seriam retirados dos acusados a partir de bloqueios de bens e de dinheiro apreendido. Outros R$ 4 milhões foram solicitados de Okamotto e Lula em danos causados à Petrobras e o restante, por danos morais à população por causa dos crimes.
Não houve condenação nesse caso. A provas contra Lula acabaram derrubadas por decisão do STF. As investigações continuaram em relação a Okamotto, mas, em junho de 2023, Toffoli determinou o trancamento dessa ação penal. Palocci havia feito acordo de delação premiada.
Toffoli decidiu anular atos processuais em outros casos decididos pelo ex-juiz Sergio Moro, mas nem sempre arquivando as ações, o que deveria ser feito em primeira instância.
Foram beneficiados com esse tipo de decisão dois ex-presidentes de empreiteiras que firmaram delação: Léo Pinheiro, da antiga OAS (atual Metha), e Marcelo Odebrecht.
Os acordos de colaboração, porém, não foram derrubados. Ou seja, as multas que os dois se comprometeram a pagar continuam válidas.
A maioria das ações que tiveram atos anulados é relacionada a operações sobre suspeitas de irregularidades no Governo do Paraná, à época da gestão do tucano Beto Richa (2011-2018). Ele não foi condenado nelas. Atualmente, ele é deputado federal.
As operações são chamadas Integração (sobre concessão de Rodovias), Quadro Negro (sobre suspeitas de desvios na educação), Rádio Patrulha (sobre recuperação de estradas rurais) e Piloto (irregularidade na duplicação da PR-323).
A anulação de todos os atos que envolviam Beto Richa abriu caminho para que os outros acusados também pedissem a chamada extensão das decisões.
Além desses casos, o ministro também anulou atos processuais relacionados ao empresário Raul Schmidt. Arquivou ainda uma ação civil de improbidade contra o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
A grande maioria dos valores solicitados pelo Ministério Público está em ações nas quais Marcelo Odebrecht era um dos acusados, de cerca de R$ 16 bilhões.
As ações tratam de personagens-chave da Lava Jato, além do próprio Marcelo. A principal denúncia aponta suspeitas de construção pela empreiteira de um centro administrativo da Petrobras em Vitória (ES) e de um contrato da Braskem para a compra de nafta.
Esses não foram os valores aplicados na sentença. Ao condenar os acusados em 2016, Moro (hoje senador pelo União Brasil-PR) determinou multas individuais e o confisco de até R$ 2,7 milhões de uma conta offshore que pertencia a Renato Duque (ex-diretor da Petrobras).
Moro também determinou à Petrobras o pagamento de uma indenização de R$ 108 milhões e US$ 35 milhões, pelos danos decorrentes dos supostos crimes. Também afirmou que a condenação não se aplicava aos delatores Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco, “sujeitos a indenizações específicas previstas nos acordos de colaboração”. O acordo da Odebrecht ainda não havia sido firmado.
Toffoli é relator, desde a aposentadoria de Lewandowski, em abril do ano passado, de um processo sobre a validade de decisões que usam provas oriundas dos sistemas da Odebrecht.
Em setembro de 2023, o ministro determinou que as provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht são imprestáveis em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.
Em dezembro, Toffoli suspendeu o pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões aplicada contra a J&F no acordo de leniência do grupo. Em seguida, veio a suspensão do pagamento de multas decorrentes do acordo firmado entre a Novonor (antiga Odebrecht) e o Ministério Público.
R$ 16,8 bilhões
US$ 43 milhões (aproximadamente R$ 250 milhões, em valores atuais)
3 mil euros (aproximadamente R$ 18 mil, em valores atuais)
Fonte: Folha De São Paulo
Foto: Pedro Ladeira – 7.ago.2024/Folhapress